ENTERRO DO BACALHAU
O cortejo fúnebre "Enterro do Bacalhau", tradição de riquíssimo valor cultural que se perde nos anais do tempo, é representado pelas gentes do lugar do Soutocico, numa manifestação teatral com cerca de duzentos figurantes. Esta peça popular de cariz marcadamente pagão, percorre as ruas da aldeia no sábado de aleluia e inicia-se por volta das 21:30 horas para terminar próximo das 24 horas, altura em que é servida uma monumental ceia de bacalhau a todos os presentes, sejam dos actores ou simplesmente espectadores.
Representado em 1938 pela 1°. vez no lugar do Soutocico, constituiu tal êxito, na altura, que passou a ser o ex-libris histórico-cultural das pessoas da povoação, não obstante o mesmo ter sido proibido pelo regime de Salazar, a pedido das Instâncias Religiosas.
Quando aconteceu em Abril de 1974, as saudades do "Enterro do Bacalhau" eram tantas que o Clube Recreativo e Desportivo do Soutocico decidiu reeditar o evento, fazendo para tal uma pesquisa apuradíssima. Reunidas, pois, as condições necessárias para a representação, e muito embora as autoridades religiosas voltassem a manifestar-se contra, certo é que voltou ás ruas por mais quatro vezes entre 1977 e 1983. Curiosamente, era nas gentes mais simples e convictamente ligadas á igreja, que mais se fazia sentir o entusiasmo transbordante pela representação da peça.
A tradição do "Enterro do Bacalhau" parece remontar ao século XVI, durante o movimento contra-reforma. Sabe-se que o Concílio de Trento, conferindo á Igreja Católica o poder centralizado e o autoritarismo que possuía antes da Reforma de Lutero e Calvino, levou a que a nova Inquisição combatesse em força as chamadas heresias, independentemente da perseguição aos dos Evangelhos atrás citados. Esta Igreja que proibia o consumo total da carne durante a Quaresma, abria um precedente a todos aqueles que comprassem a bula. Este indulto só servia os mais abastados, que o podiam pagar, enquanto os desfavorecidos, a grande maioria afinal, teriam de se socorrer do peixe na sua alimentação durante as sete semanas da quaresma. O peixe mais acessível era o bacalhau. O povo revoltou-se contra esta determinação, mas teve de abdicar, não sem que antes criasse esta festividade pagã, como sentimento de revolta pela sua impotência.
O bacalhau implantou-se assim nos lares dos pobres, sendo o seu salvador. Cozinhado de mil maneiras diferentes, ele foi absoluto durante o período da Quaresma findo o qual o tribunal fantoche dos filhos o julgou e o condenou a morte, por inveja da sua popularidade. O advogado de acusação, o traidor "Filho da Maria Malvada", cujas origens eram de um mero filho do povo, fundamentou o seu ataque no facto de, durante o período de abstinência, só lhe ter calhado do malcheiroso, do escamudo, do mal curtido, do rabo e asa, etc.
Esta traição enraiveceu uma vez mais toda aquela gente simples que, durante o cortejo, pede a sua cabeça, para que se faça justiça ao bacalhau.
Os três principais sermões: "Vida e Morte do Bacalhau", "Testamento do Bacalhau" e as "Exéquias do Bacalhau", formam com as quadras cantadas ao som da marcha fúnebre de Chopin, um espectáculo digno de ser visto. Para além dos três sermões apontados, é tradição do Soutocico, a queima do Judas, no mesmo dia e após o enterro. Logo que o bacalhau desce á cova, segue-se um sermão ao Judas que começa "...São Cipriano por Belzebú te invoco, pote das almas, toucinho cru, bruxas do inferno, luzecus do além, penas de corvo, sangue de frango, louvo o tranglomano, para sempre louvado, pater, filho e espirito sentado ..."
Seguidamente, o Judas é queimado e rebentado entre alaridos e gáudio da multidão.
I
Batem sinos nas capelas
bandeiras a meio pau
moços velhos e donzelas
ponham luto nas panelas
que morreu o bacalhau
II
Com dinheiro havia a bula
Nesse tempo tão sacana
Uns podiam comer carne
e outros só a barbatana
III
Sou um pobre desgraçado
e valho pouco dinheiro,
Peço que me enterrem.
Á rota de um taberneiro
IV
E quando de mim há falta
neste mundo rancoroso
sou sempre um escondido,
como sendo um criminoso
V
Foi Pilatos; teu amigo
e Caifaz teu redentor
de que recebeste patacos
para entregar o Senhor
VI
Já com os trinta dinheiros
em afeição derradeira
foste acabar enforcado
nos braços de uma figueira
Quando após muito tempo se fala, ainda que ao de leve, em apresentar ao povo o "Enterro do Bacalhau", de novo a população se transforma e a giganta, prende de satisfação e metamorfoseia a monotonia dos seus dias simples na encenação de algo de belo, envolvente, artístico e de uma imponência espectacular. Os ensaios á noite, depois de longa jornada, de trabalho, poderiam tornar-se fatigantes, porém a força de vontade e o querer participar nesta festa tão arreigada á gente do Soutocico, ontem como hoje, tudo transcende.
Imagine-se a descida, da calçada, no centro, do lugar, em sábado de aleluia á noite, com, um matizado fantástico dos coloridos trajes, grotescamente iluminados pela, infinidade de archotes que acompanham o cortejo. A definição só pode ser uma: esplendoroso! Ultrapassa tudo quanto há de imaginável em teatro popular de rua.
João Lopes Soares
João Lopes Soares (Arrabal, Leiria, 1878 — Lisboa, 1970) é um professor, pedagogo, autor e político português.
Formou-se em Teologia na Universidade de Coimbra no ano de 1900.
Ordenado presbítero fez o concurso para capelão militar (1902) ficando colocado numa unidade militar da província. A sua transferência para a capital marca uma viragem na sua vida. Adere então às ideias republicanas, tornando-se um activo propagandista, o que o faz ser preso em 1908.
A implantação da República, em 1910, permite-lhe uma rápida ascensão política. Começa por ser nomeado professor no Instituto dos Pupilos do Exército. A sua formação religiosa veio a tornar-se, todavia, um trunfo precioso para a nova República, carente de republicanos que despertassem a confiança das populações nos distritos mais católicos. Não tarda a ser nomeado governador civil dos distritos da Guarda, depois de Braga e por último de Santarém.
De 1916 a 1926 exerce é deputado pelos círculos de Guimarães e Leiria. Em 1919 exerce o cargo de Ministro das Colónias, batendo-se pela sua manutenção. Apenas em 1927 a Santa Sé o desobriga das Ordens eclesiásticas, deixando então na pratica de ser padre. Republicano convicto é votado ao ostracismo por Salazar, procurando então no ensino um meio de subsistência. Funda em 1935 o conhecido Colégio Moderno, na Azinhaga de Malpique, hoje Rua João Soares, onde trabalharam como professores muitos dos opositores do antigo regime (Álvaro Cunhal, Agostinho da Silva, entre outros). Foi autor de diversos livros escolares, entre os quais se destaca o Novo Atlas Escolar Português.
João Lopes Soares foi pai de Mário Soares.
0 Vale da Crima
0 Vale da Crima surge-nos como curiosidade, ao fazermos o levantamento toponímica da freguesia do Arrabal.
Este local verdejante que se situa a sudoeste da Martinela, acompanhado na sua extensão por altas rochas lajeadas fazendo lembrar um mini lapedo, aparece associado às invasões francesas, segundo depoimentos colhidos junto das pessoas mais idosas da região.
As opiniões, no entanto, dividem-se quanto à origem do topónimo. Uns defendem que tal teria acontecido durante a primeira invasão, da responsabilidade de Junot, em 1808, ao destacar para a área de Leiria o General Margaron, que positivamente arrasou a cidade com as suas peças de artilharia pesada, naquela que ficou tristemente célebre com a batalha de Leiria.
Defende-se até que para condenar os reféns, teria chegado ao ponto de criar um tribunal num local próximo do Vale da Crima, conhecido por Padrão (Pardon?). Outros há porém, que garantem estar o Vale da Crima (Val du Crime) ligado à terceira invasão francesa, chefiada em 1810 por André Massena.
Teixeira Botelho escreve em 1915 um livro a que chama "Guerra Peninsular" e vem fazer um pouco de luz sobre as ocorrências verificadas na Primavera de 1811, quando o "Filho da Vitória" retira atabalhoadamente para Santarém, depois de derrotado nas linhas de Torres Vedras. Ansioso de reforços que não chegavam, consegue contactar com o seu General, Jean Baptiste Drouet, Conde d'Erlon, a quem ordena que rume a Portugal com o seu 9° Corpo de 8 000 homens, depois de ouvido o Imperador. Este assim faz e chega a Leiria, onde fica a guardar novas ordens. A situação porém não melhora para Massena, pois as comunicações estavam deterioradas e este temia aventurar-se em operações com o exército anglo-luso. As tropas enfraquecidas e famintas do general saqueavam e matavam num redor de quinze léguas e quando os bandos regressavam com as alimárias carregadas, eram muitas vezes chacinados por emboscadas, que lhes retiravam o produto dos saques. Conta-se que era rara a expedição que não regava com sangue a "aquisição" de mantimentos. Sabendo-se que o percurso mais próximo entre Tomar e Leiria passa pelo Vale da Crima, estamos em crer que serão estes depoimentos os que mais se aproximaram da realidade de tal topónimo. De uma forma ou de outra, esse local aprazível e de raro encanto, como aliás tantos outros com que a natureza dotou a freguesia do Arrabal é um convite a uma tarde de nostalgia, onde a história e o ambiente parecem acasalar, esquecidos daquela Primavera sangrenta.
Marcha do Soutocico
(1)
Soutocico à entrada
Tem a fonte e o pousadoro
E tem mulheres a lavar
A roupa no lavadouro
(2)
Dizem os que por cá passam
E bebem água na fonte
Que lindas são as sobreiras
E a Senhora do Monte
(3)
Tens uma linda capela
E o largo do terreiro
Onde se juntam os homens
Mulheres e o taberneiro
(4)
Subindo a tua calçada
Ladeira de tradições
Por lá passam namoricos
Unindo os corações
(5)
A costa da castelhana
E a rocha das cerejeiras
O castanhal das castanhas
Fontinha das giesteiras
(6)
A costa da castelhana
Costa de muita esperança
Ao toque de realejos
Anda a malta na dança
(7)
De vez em quando lá sai
Mais uma boca brejeira
Não falta lá ao domingo
A cesta da Tremoceira
(REFRÃO)
Ó SOUTOCICO, TODO CONTENTE
Ó SOUTOCICO TODO ENGRAÇADO
SEMPRE ALEGRE SATISFEITO E ANIMADO
CAIU NA GRAÇA DE TODÁ GENTE
|
(8)
Passam os carros de bois
Nas ruas aos solavancos
Homens com botas de tachas
Raparigas de tamancos
(9)
Rapazes vão caminhando
Nas ruas da nossa aldeia
Com a barriga vazia
De vinho ela está cheia
(10)
Os homens andam na horta
E as mulheres no pereiro
As crianças vão prá escola
E os velhos no sapateiro
(11)
Do canto até ao brejo
Da barroca ao canádo
O povo anda contente
Não quer lembrar o passado
(12)
Terra de raro encanto
Aldeia de Portugal
Tens um povo tão unido
Como não há outro igual
(13)
A malta do Soutocico
É divertida e porreira
Em dia de festas andam
Todos com a bebedeira
(14)
O lugar do Soutocico
Ao meio tem uma ladeira
Onde os rapazes se juntam
Quando vão prá brincadeira
|
leiria eventos 26 janeiro 2008
*OS MEUS BLOGS**
*BLOGS AMIGOS**
VALE A PENA VER**
*BLOGS DE LEIRIA**
LUIS LOBO HENRIQUES-FOTOGRAFIA
*SITES DE INTERESSE**
TE-ATO(Grupo-Teatro de Leiria)
*JORNAIS DA CIDADE**
*JORNAIS DO CENTRO**
*RÁDIOS CENTRO**
*«««««««-»»»»»»»*